terça-feira, 4 de junho de 2013

POUSADA DO ENGENHO - SERRA GAÚCHA

Seguidores e Seguidoras,


Aqueles que conhecem este blog já sabem que ele não vive só de grandes viagens. Vive também de pequenas escapadas que fazemos para lugares deliciosos e que apresentem algo de especial que mereça destaque.

Neste feriado de Corpus Christi, serviço em dia, resolvemos curtir a Pousada do Engenho, em São Francisco de Paula, próximo de Gramado e Canela, na Serra Gaúcha www.pousadadoengenho.com.br . Hoje, para quem mora em Florianópolis, o melhor trajeto para ir até lá é pela BR-101 até Terra de Areia, no Rio Grande do Sul, lá pegando a bela Rota do Sol montanha acima e, já nos campos, em Tainhas, entra-se à esquerda e vai-se direto a São Francisco de Paula. Está tudo no site.  O primeiro contato com a pousada deu-se na internet, procurando por pousadas de luxo na Serra Gaúcha. Valeu a pena.

A pousada fica na região do Lago São Bernardo, na periferia da cidade, onde se localizam as pousadas e hotéis turísticos. Está escondida no meio da mata atlântica e de uma profusão de grandes e velhos pinheiros, a nossa boa, velha e quase desaparecida araucária. Da rua pouco se enxerga da pousada, salvo um pouco de sua sede e nada mais, já que as cabanas ficam escondidas dentro da mata cerrada. Tudo, porém, é muito bem urbanizado, com caminhos cimentados iluminados e pontes de madeiras para se atravessar os vales existentes no terreno.

Nos hospedamos na Cabana 12 (as mais sofisticadas e mais novas são as de número 11 a 14), definida pela pousada como "A Tecnologia a Favor do Conforto", na privacidade da área nova. Toda feita em troncos, tipo "log house", com área de 100 m², a cabana possui elétrica inteligente, com controles centralizados das cortinas e das luzes, lareira, calefação e ar condicionado, hidromassagem para casal, duas cubas, teto solar, tapetes de pele, cama king-size com travesseiros e edredon de plumas de ganso, internet wi-fi, TV a cabo LCD 32', dvd, home theater, frigobar a varanda com cadeiras de balanço e rede.

Durante a nossa estada dois dias de sol e dois de chuva e muito frio. A cabana se mostrou muito confortável e a lareira e o sistema de calefação deram conta de mantê-la sempre numa temperatura agradável. A grande banheira de hidromassagem também foi exigida no seu máximo.

O café da manhã é farto e de muito boa qualidade. A cozinha é de bom nível, com uma ótima variedade de sopas deliciosas e opções de pratos, com salmão, truta, frango e carne de gado, todos servidos já empratados. A carta de vinhos apresenta opções de boa qualidade. O serviço, talvez em função da lotação plena no feriado, deixou um pouco a desejar, com demora demasiada para servir alguns pratos e até esquecendo uma  sobremesa que pedimos no jantar de sábado à noite. Saímos sem que fosse servida. Um pouco demorado também foi o atendimento para um pequeno problema no vaso sanitário. No mais, o pessoal é muito simpático e se esforça para fazer o melhor.

Destaque da estada foi o Lareirau, um show de artistas especialmente convidados pelo Alex, um dos sócios da pousada, que também canta e toca, para fazerem uma performance nas ocasiões como este feriadão, onde a pousada sempre lota. Um espetáculo maravilhoso, que acontece num salão amplo e com um pequeno palco, ficando os hóspedes e pessoas que compram só o show, em sofás e mesas. Música da mais alta qualidade, de artistas locais, cuja performance, tão alta a qualidade, merecia ser gravada num CD. Vale muito a pena ir lá só por isso.

O Lago São Bernardo, que fica nas proximidades, no meio da mata e rodeado de hotéis, pousadas e residências de férias que vão surgindo em loteamentos que se estendem mata adentro. É artificial e está bem urbanizado, com suas margens gramadas, com pequenos decks, e todo rodeado por pista para caminhadas e ciclovia.

A cidade de São Francisco de Paula é uma típica cidade serrana, fundada no meio das antigas fazendas, sem muitos atrativos, especialmente na sua rua principal, a Júlio de Castilhos, onde a maioria das casas típicas já foi substituída por outras feias e mais modernas. Algumas subsistem para nos lembrar de quão bela e pitoresca ela foi outrora. Merece, destaque, todavia, porque parece meio deslocada daquele lugar, uma enorme livraria, num prédio novo mas com estilo serrano. Era feriado, fomos a pé conhecer a cidade, saindo da pousada, passando pelo lago e depois a periferia até sua rua principal. Quase tudo estava fechado, exceção da Livraria Miragem. Nela entramos e ficamos estupefatos, pelo seu tamanho, sua decoração, parecendo uma grande biblioteca, com lareira, antigos bancos escolares para se sentar, cantinhos com homenagens a gente do lugar, especialmente professores e, acima de tudo, pela doçura e garra da sua proprietária, a professora Luciana, que nos acolheu com muito carinho e consideração, não mais, é lógico, do que dedica as seus amados cães que ela recolhe abandonados e maltratados pelas ruas da cidade. É uma amante fervorosa dos Campos de Cima da Serra, hoje quase todos destruídos pelo cultivo de Pinus, batata e hortaliças. Nos levou pela mão até uma salão antigo, contíguo à livraria, onde montou um museu demonstrando o prejuízo que a Lei Ambiental trouxe para a região com a proibição das bicentenárias queimadas de campo.  O fim delas, segundo estudos feitos por ela e outros pesquisadores da região, levou à destruição da principal atividade da região, a pecuária e seus belos campos.

Por isso, lançou o Manifesto Serrano, que está no seu blog www.antigoscamposdecimadaserra.blogspot.com.br
e que merece ser lido para se entender o sentimento dos nativos diante da invasão da nefasta plantação do Pinus para a indústria papeleira. Para facilitar, lá vai ele:
MANIFESTO SERRANO


     Nós, moradores antigos dos Campos de Cima da Serra, município de São Francisco de Paula - RS, sentimos a necessidade de levar a público a atual realidade de nossa região que vivia basicamente da pecuária, usando a prática bicentenária da queima do campo para eliminar a macega seca do final do inverno e, com isso, renovar a pastagem.  
     O fato desse sistema ser praticado todos os anos fazia com que a palha a ser queimada fosse rala, produzindo um fogo de baixa intensidade, nunca atingindo temperaturas elevadas e, consequentemente, não prejudicando o ecossistema. Da mesma forma, sendo fraco, o fogo se extinguia nas proximidades de lugares úmidos como matos e banhados.
     Ressaltamos que a denominação tradicional de “Queima do Campo” não retrata com fidelidade essa prática, pois tínhamos o cuidado de aproveitar o vento para direcionar a labareda no sentido horizontal, evitando danos ao solo e gerando um fogo muito fraco e muito rápido, queimando somente a palha seca e, portanto, sem produzir brasa, razão pela qual será mais apropriada a denominação de uma simples “sapecada do campo”. Essa característica o fazia completamente diferente das queimadas realizadas nas regiões centro-oeste e norte do Brasil.
     É importante salientar, também, que a cinza possui um caráter alcalino e, por essa razão, colaborava de maneira efetiva para diminuir a acidez do solo, fazendo com que esse se tornasse mais produtivo.
     A afirmação que os fazendeiros derrubaram matas nativas para aumentar o campo não corresponde à realidade, uma vez que a região de Cima da Serra era originariamente campo. Haja vista a pequena camada de terra sobre a rocha* que é característica de solo próprio para gramíneas. Só mais tarde se formaram os capões (florestas de pequena extensão) espalhados por toda a região, formando um mosaico de rara beleza, o que, diga-se de passagem, encantou os portugueses e espanhóis quando aqui chegaram.
     Já em 1822, o renomado naturalista francês, Augusto Saint-Hilaire, em viagem ao Rio Grande do Sul, fez referências elogiosas à paisagem serrana e aprovou o método da “sapecada” como melhor forma da renovação do pasto e do combate às ervas daninhas.
     Além de eliminar ervas invasoras prejudiciais, nossa “sapecada” favorecia o controle do carrapato, sem contar as gramíneas nativas que necessitam do calor produzido pelo fogo para quebrar a dormência em que se encontram suas sementes a fim de que possam germinar, perpetuando, assim, a própria espécie.
     Cumpre lembrar que, no período da “sapecada”, mês de agosto, não há filhotes de animais no campo, porque os ninhos são feitos somente a partir de setembro, início da primavera. Além disso, após essa prática, nunca se encontrou qualquer animal queimado ou asfixiado, razão pela qual ela não ocasionou a extinção de nenhuma espécie animal da região.
     O benefício dessa prática anual, tradicionalmente realizada há mais de duzentos anos, ia muito além da renovação da pastagem e do controle das pragas, pois evitava a existência de macegas altas que se tornam extremamente perigosas por poderem ocasionar incêndios de grandes proporções e, como tal, incontroláveis. Como agravante, é sabido que algumas aves, como o Quero-Quero, conhecido como “Sentinela dos Pampas”, não fazem ninho em macegas altas.
     Outro dado significativo é que o gás carbônico gerado pela queima da vegetação seca é compensado pela fotossíntese realizada pela macega nova que aponta já nos primeiros dias após a “sapecada”. Soma-se a isso que, comprovadamente, as plantas jovens consomem maior quantidade de dióxido de carbono e liberam mais oxigênio no ambiente, garantindo o ar puro.
     A exemplo disso, vale lembrar que, no século passado, pacientes acometidos pela tuberculose vinham, por indicação médica, hospedar-se em hotéis de nossa cidade para usufruírem dos benefícios curativos da boa qualidade do ar serrano.
     Cabe esclarecer que os animais não comem a macega no final do inverno porque ela fica completamente seca, também não realizando fotossíntese e, em decorrência disso, sem condições de colaborar para a pureza do ar.
     Como os Campos de Cima da Serra são dobrados (cheios de elevações) e excessivamente pedregosos, impossibilitam o uso de maquinário para o corte da macega seca, tornando muito difícil, sem a “sapecada”, a continuidade da pecuária.
     Esse contexto gerou a tendência de mudança da atividade econômica, surgindo a monocultura do pínus, a cultura da batata e de hortaliças em geral.
     Queremos deixar bem claro que nossa contestação não se dirige aqueles que se dedicam a estes cultivos, mas contra o impasse em que a lei**, inviabilizando a pecuária, prática econômica predominante da região, “embretou” os pecuaristas que, sem saída, foram forçados a vender suas terras e, até mesmo, por questão de sobrevivência, a usar desses novos recursos.
     Vejamos as consequências desses cultivos.
     O cultivo do Pínus, planta exótica e invasora, tem como consequências:
     a) acabar com a belíssima paisagem dos Campos de Cima da Serra, podando de maneira empobrecedora e lamentável o potencial turístico da região;
     b) contribuir fortemente para secar nossos mananciais de água;
     c) exaurir a terra de seus nutrientes, empobrecendo-a;
     d) colaborar para o extermínio da fauna e da flora, uma vez que não produz alimentos para os animais e nem condições para que eles se reproduzam, ao mesmo tempo que, sendo invasora, mata toda e qualquer vegetação nativa a sua volta;
     e) favorecer o extermínio de animais também pela utilização de formicidas que são colocados nas mudas no período do plantio.
     Acrescenta-se, ao exposto, o perigo inevitável e iminente de incêndios espontâneos de grandes proporções, sem nenhum controle, colocando em risco todo o ecossistema da região e todas as formas de vida, inclusive a humana, sem contar os danos materiais que são inevitáveis. São inúmeros os exemplos dessa calamidade que, nos Estados Unidos, arrasam grandes extensões de terras sem que eles, com toda a tecnologia que possuem, consigam deter a tragédia.
     Já a cultura da batata e das hortaliças traz outros prejuízos:
     a) com a prática de arar, a pequena camada de terra sobre a rocha, com espessura aproximada de 30 cm, sofre uma grande erosão que é agravada pelas irregularidades do terreno. Isso inviabilizará todo e qualquer aproveitamento posterior do solo;
     b) o uso de agrotóxico nas plantações, tantas vezes abusivo, não só provoca o envenenamento de animais, principalmente de aves, peixes e crustáceos, como também polui nossas nascentes, comprometendo a qualidade da água que, de nossa região, situada a 922 m de altitude, é distribuída para todas as cidades circunvizinhas, já que fazemos parte de cinco bacias hidrográficas.
     Mas o que nos deixa estupefatos é que sempre ouvimos das autoridades que nos multam pela “sapecada” a afirmação que é “imprescindível proteger a natureza”, sendo esta a razão de todas as leis.
     Entretanto, há um silêncio absoluto quanto à destruição do campo. Parece não haver nenhuma lei que o proteja. Os próprios órgãos governamentais regulamentam plantações exóticas e cultivos carregados de agrotóxicos em pleno campo, destruindo-o de maneira profunda. 
     E fica conosco a pergunta: - Por ventura não fará o campo parte da natureza?!...
     No aspecto cultural, vemos a Tradição Gaúcha, que por tanto tempo representou tão dignamente a alma do povo do Rio Grande, ser enfraquecida pela proibição da “sapecada” que impõe ao ruralista, além de problemas financeiros, o dissabor de se ver abordado por funcionários, no mais das vezes despreparados, usando de abuso de autoridade, pois chegam em nossas propriedades fortemente armados como se fôssemos criminosos.
     E a triste realidade permanece doída diante de nossos olhos: os lendários Campos de Cima da Serra estão, lamentavelmente, desaparecendo como paisagem e como ecossistema.
     E nós, que amamos esta terra, tememos pela herança que ficará para nossos filhos, pois não compreendemos um viver sem tradição, não compreendemos um viver sem valores verdadeiros que brotem de um trabalho feito em harmonia com a natureza e que contribua para o bem comum.

GRUPO SERRANO
_________________________________
Moradores dos Campos de Cima da Serra


São Francisco de Paula de Cima da Serra, 20 de setembro de 2012.

________________________

* Aproximadamente 30 cm
**Lei Estadual nº 9.519/92

  Nota: Esse Manifesto representa o conhecimento empírico de diversas gerações que viveram nos Campos de Cima da Serra. Hoje, trabalhos científicos de renomados pesquisadores como Arlindo Butzke, Roberto Birch Gonçalves e Alice MariaTrindade Ramos, entre tantos outros, vêm documentar a veracidade dessas informações.
  
Destaque, também, para a Feira do Campo, aberta no feriado, onde os agricultores da região se revezam na venda daquilo que produzem em suas pequenas propriedades, como mel, geleias  pinhão, queijo, verduras e muito mais. 

A pousada também oferece vários passeios pela região, todos descritos no site. Como estávamos de carro, fomos até um templo budista que fica cerca de 40km, dali, na serra, na estrada que vai para Porto Alegre e também reservamos um dia para rever nossas velhas conhecidas Gramado e Canela, cada vez mais lindas e organizadas para bem receber  a grande quantidade de turistas, inclusive catarinenses, que para lá se deslocam o ano inteiro. Pena que nossos políticos e empreendedores da Serra Catarinense ainda  estão engatinhando em termos de boa exploração do turismo, em relação aos gaúchos.

Enfim, se hospedar na Pousada do Engenho é muito interessante, primeiro pela delícia do local, segundo porque você sai da rotina de Gramado e Canela e fica na região de campo, mais típica gaúcha e terceiro, porque você está próximo e por boas rodovias, apesar do pedágio caro em algumas delas, do melhor que a região oferece. Recomendamos. Beijos a todos. Narcísio e Dirlei.


Esta e a próxima foto, são visões do interior da Cabana 12, onde nos hospedamos


A blogueira, na ponte de madeira sobre o vale no terreno da pousada

Muitas araucárias no terreno da pousada

A nossa cabana, como todas as outras, rodeadas da Mata Atlântica

Sede da Pousada do Engenho

Piscina nas proximidades do salão de eventos da pousada

Salão, com o palco ao fundo, onde  aconteceu o Lareirau

Imagem do Buda, já que os proprietários da Pousada adoram a Índia

Portal da Pousada do Engenho

Uma das muitas casas de férias construídas próximas do Lago São Bernardo

Hotel Cavalinho Branco, nas margens do lago

O belo e urbanizado Lao São Bernardo, região onde fica a pousada

O blogueiro, num dos muitos decks nas margens do Lago São Bernardo

Livraria Miragem, no centro de São Francisco de Paula

Esta e a próxima, antigas casas típicas antigas de São Francisco de paula


Avenida Júlio de Castilhos, a principal de São Chico

A Catedral de São Francisco de Paula